quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Depressão pós-AVC resulta de lesões microvasculares

Recuperar de um acidente vascular cerebral (AVC) é geralmente um processo longo que depende das características do próprio caso, da rapidez da atuação para minimizar os riscos e do apoio dado ao doente. Mas um episódio de derrame cerebral  pode  muitas vezes ser agravado pela sequência de uma depressão. Esta tem por base lesões microvasculares e que, nem sempre, são visíveis em neuro-imagens, mas que a jovem investigadora Micaela Santos consegui detectar com trabalhos de análise “pos mortem” de cérebros.

A psiquiatra, de 31 anos,  natural de Viseu, está investigando no Mount Sinai School of Medicine, em Nova Iorque, e desenvolveu um estudo neuropatológico sobre a ocorrência de depressão em idades avançadas e pós-enfartes e constatou que, no último caso a depressão tem um componente “muito biológico”.

“Os fatores de risco crónico a nível vascular, que não são visíveis em técnicas de ressonância, têm impacto no risco de depressão”, explicou ao “Ciência Hoje”, acrescentando que este transtorno é diferente do típico e caracteriza-se “pela apatia e dificuldades de motivação e de concentração”.
Trata-se de lacunas subcorticais que ocorrem em três zonas do cérebro e dão origem a “enfartes muito pequenos”. “Vimos que os casos de AVC que desenvolvem depressão têm uma relação com este tipo de lacunas, o que não foi verificado nos casos de depressão de início tardio”, assegurou a médica.

Este trabalho, iniciado na Universidade de Genebra (Suiça), onde Micaela Santos fez uma especialização em psiquiatria antes de partir para os Estados unidos, foi distinguido com o segundo Prémio de pesquisa do envelhecimento Vontobel 2010, considerado um dos mais conceituados galardões nesta área de investigação médica.

Haverá um neurónio da intuição?
Micaela Santos
A viseense Micaela Santos descobriu o gosto pela psiquiatria no quarto ano da licenciatura em medicina (na Universidade do Porto). A investigadora explicou ao “Ciência Hoje” esta sua escolha dizendo que o que mais a atrai em psiquiatria é o fato de ser “uma área integrativa que permite tomar a pessoa como um todo”.
Depois de se aconselhar com especialistas de renome como Sobrinho Simões ou Mota Cardoso, decidiu cumprir um sonho antigo de sair de Portugal e estudar no estrangeiro.A escolha foi a Suiça, por já ter um historial de êxito nesta área médica e por permitir a especialização simultânea em psiquiatria e psicoterapia, algo único em todo o mundo.

Está há um ano em Nova Iorque, onde pretende terminar os estudos que agora desenvolve. Depois disso, poderá voltar para Genebra e por lá ficar pelo menos três anos, partilhando o seu tempo entre o trabalho clínico e a investigação. Voltar para Portugal não é uma carta fora do baralho, mas tudo dependerá das oportunidades que surgirem. 
Depois deste estudo, a investigação da cientista portuguesa prosseguiu, sendo que agora está a trabalhar na neuropatologia do autismo e da esquizofrenia, recorrendo também a análises “pos mortem” de cérebros.

“Estamos a estudar um neurónio diferente de todos os outros [neurónio do Von Economo] e que pensamos estar relacionado com a intuição”, avançou a especialista viseense, alertando que se trata de uma “especulação” e que ainda não foram realizados testes suficientes para comprová-lo.

Segundo a psiquiatra, este neurónio, que se encontra na parte mais interior do cérebro,  poderá ser responsável pela perda de capacidades sociais que resulta da demência fronto-temporal. “As pessoas perdem a inibição e têm comportamentos de agressão e auto-estimulação, pelo que não conseguem perceber o que é ou não adequado”, explicou.

Nesta investigação, Micaela Santos estudou crianças autistas, que têm um aumento deste tipo de neurónios e sugeriu que, nestes casos, estas células “podem não estar a funcionar bem”. Além disso, numa “interpretação especulativa”, a investigadora adiantou que “estas crianças têm uma sensibilidade extrema, pelo que criam um escudo às interacções sociais”.
Outro distúrbio em que estes neurónios, hipoteticamente, intervêm, é a disautonomia familiar. Com uma grande prevalência na comunidade de judeus Ashkenazi, esta doença afeta o sistema nervoso autónomo (SNA) e a sensibilidade periférica. Quando portadores deste distúrbio têm emoções fortes, dá-se uma “tempestade” no SNA, o que se revela em vômitos, na ausência de resposta a estímulos de dor, entre vários sintomas.

A equipa de Micaela Santos também suspeita de que haja diferenças entre os neurónios do Von Economo que se encontram no córtex singular anterior e os do córtex fronto-insular, pois foram encontradas divergências “na forma e no número” destas células em ambos os locais

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